segunda-feira, 14 de março de 2011

A poesia de Salgado Maranhão

Salgado Maranhão é poeta e letrista de MPB. Consolidou sua carreira nos últimos 20 anos.Vencedor do Prêmio Jabuti de 1999, com o livro "Mural de ventos", um dos sete títulos editados, também é o vencedor do prêmio Olavo Bilac de 2011 – prêmio concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Salgado Maranhão nasceu em Caxias, interior do Maranhão e vive no Rio de Janeiro onde fez laços.
O livro que marcou sua inserção na poesia carioca é Ebulição da escrivatura, publicada pela Civilização Brasileira, em 1978, uma antologia organizada por ele, em parceria com Antonio Carlos Miguel e Sergio Natureza.
O universo poético de Salgado Maranhão despertou interesse de estudiosos no Brasil e no exterior. Sua obra foi traduzida para diversos idiomas.
Seu livro "A cor da palavra", publicado pela IMAGO, em 2009 é o "resultado da obstinação pela palavra de múltiplas arestas" de que nos falará o poeta Salgado Maranhão.


 
Laborárduo

Meus olhos exilaram-me
na planície das palavras.

E luto com elas no breu
como um louco
que adestrasse nuvens;

_ como o outono a depenar-se.

Ainda que no desconcerto

ante as coisas que pedem silêncio.



A poesia de Salgado Maranhão por Salgado Maranhão
Salgado Maranhão: Minha poética gravita na borda da língua, nesse equilíbrio delicado em que um passo para trás é o lugar comum e um passo para frente é o ininteligível. É lógico que isto não é apenas uma atitude deliberada e racional. É um temperamento, um gostar de ser, é como se eu desejasse abrir um caminho novo na língua. Devo dizer que quando chega o poema, é uma verdadeira possessão de palavras em meus sentidos, chego a pensar que estou ficando louco. E estou: louco de luz. Depois desse momento de epifania, eu volto a retrabalhar o poema, infinitas vezes, para esgarçar ao máximo as possibilidades da palavra.
A poesia nos resgata uma voz inconsciente que fomos perdendo, aos poucos, depois da idade pré-natal. Trata-se de uma linguagem aberta, sinuosa, prenhe de significantes e irresponsável, como o discurso das crianças. A necessidade de nos ajustarmos ao mundo e às suas normas arbitrárias, em troca de afirmação e sobrevivência material, vai secando a poesia do nosso coração. Uma pessoa comum, que funcione como a maioria, do estômago para baixo, até reconhece o vigor impactante dessa forma de expressão, mas teme se comprometer com essa insanidade sã. Poeta é quem tem no DNA a doença incurável do mistério. É aquele para quem as palavras tiram a roupa e se entregam sem reserva. E não é para quem quer e nem é uma questão de privilégio, mas de destino, é mais uma questão de não saber ser de outro jeito.

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Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Cecília Meireles