sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Uma viagem pelo clandestino tempo

Por: Ivana Karoline Machado

Há uma preocupação explícita com a temática do tempo no poema “Clandestino” de Edmar vieira. Uma vez que ele inicia sua criação literária referindo-se ao tempo como um invasor secreto, logo no título. Certamente, este contribui para o sentido do texto lírico. Talvez não apresentasse o mesmo efeito se recebesse outro título, menos criativo.


Sem dúvida, é um poema repleto de metáforas. Seus versos são livres, não seguem nenhum critério rígido na métrica. Contém apenas uma estrofe distribuída em dezesseis versos com algumas rimas toantes. Nota-se que os verbos estão no presente, indicando que uma ação está acontecendo, ou seja, não relata algo passado ou que virá a ocorrer. Apresenta uma narração prosaica com dois elementos de discurso direto nos quatro últimos versos. Há, também, características dos três gêneros literários: dramático, lírico e épico.

O primeiro porque, como abordado anteriormente, há elementos do discurso direto nos quatro últimos versos. O eu lírico apresenta um diálogo com o tempo, não recíproco, no entanto, de certa forma, demonstra uma comunicação: “Espera-me [...]” / “não fuja na velocidade oracular/ por aqui tudo fica inerte e fatiado a ponteiros”. Nesse sentido, não se pode afirmar que é, exclusivamente, um poema do gênero dramático, uma vez que esse consiste numa história contada através das falas dos personagens, mas sim, que contém alguns itens desse gênero. O segundo porque sua forma é lírica, visto que está organizado em versos e não em prosa. E também por explicitar um sentimento atribulado acerca da rigidez do tempo, sendo notória a aflição diante do tema. E o último, por narrar uma história, contar uma ação que está sendo realizada.

O primeiro verso: “Frio, impiedoso” consiste na junção de duas palavras que remetem a certa consternação. Ao pensar nessas duas palavras, o leitor atribuirá o sentido delas, ao poema. As metáforas dos quatro seguintes versos, assim como em quase todo o poema, explicam a agilidade do tempo. As imagens poéticas criadas através dessas metáforas: “não diz bom dia”, “não pede licença”, são propicias para explicar que, independente do lugar que estiver e da atividade que fizer, o tempo não parará de passar.

O autor expressa, através de seus versos literários, sua concepção do perfil de um “suposto” tempo. Mas o que é o tempo para ele? Poeticamente falando é algo avassalador que invade suas privacidades e sai sem se despedir ou deixar vestígios: “avança corredores / cruza a sala de jantar / (pratos ainda sobre a mesa) / chega à cozinha /e sai pela janela / sem olhar para trás / (jamais!)”. No entanto, o mais interessante é que transmite uma aflição e indignidade com as injustiças cometidas por esse “tempo”. O que é notado em: “"Espera-me", grito”. E nos três últimos versos deixa implícito um drama vivido pelo próprio emissor.

A leitura deste poema consiste numa atividade lenta, de reflexão e compreensão das figuras de linguagem usadas pelo poeta. Não é tão fácil entendê-lo apenas com a primeira leitura. É necessário analisar os caminhos que o autor quis percorrer para explicar determinado sentimento. E estes, foram através de imagens poéticas metafóricas paro o abstrato tempo.

Todavia, o poema “Clandestino”, versa sobre uma indignação do autor por um determinado “tempo”. Tempo esse que não respeita nenhum tipo de limite.

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Ivana Karoline Machado (22 anos) é estudante de Letras na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em Jequié. Atua na educação básica no ensino da língua e artes. Desde 2007 é integrande do Grupo CONCRIZ.



Um comentário:

Unknown disse...

Ivana, minha amiga
Agradeço pela sua viagem dissecativa sobre meus versos tão desafetos ao tempo. Gostei muito.
Edmar

Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Cecília Meireles