terça-feira, 8 de abril de 2008

A poesia emotiva de Elizeu Moreira - Gilfrancisco

Gilfrancisco
Jornalista, pesquisador e professor universitário.

A poesia é uma forma de expressão lingüística destinada a evocar sensações, impressões e emoções, por meio da união de sons, ritmos e harmonia e utilizando uma relação de vocábulos essencialmente metafórica. Por isso a poesia diferenciasse da prosa por não se fundamentar tanto nas normas lógicas da língua, mas sim nas imposições do ritmo, determinado pelo talento do poeta, pelo aspecto sonoro das palavras e pela associação dos significados.

O poeta Elizeu Moreira Paranaguá vive o destino que para si escolheu, encontrou na poesia o intérprete fiel de sua alma verdadeira. Porque ele sabe que existem homens incapazes de olhar até o fim o espetáculo do mundo e da história dos próprios homens. Este poeta de que lhes falo é um homem do diálogo, do debate, que passou anos lutando para mostrar sua poesia, apesar de somente ter um livro publicado “Poema Terra Castro Alves”, 1992, Elizeu Moreira possui uma obra dispersa ou inacabada, em grande parte inédita.

Num meio estagnado, sua obscura aparição em Salvador, coincide com a predominância de grupos literários subjugados pela vaidade estéril de pensar sobre o existente, povoando a resistência desse poder. Apesar de não poder negar a influência desses poetas e das gerações anteriores, não deixou sem dúvida de se exercer sobre ele influência real dos poetas em voga. O choque cultural produzido no meio intelectual tem algo semelhante à queda dum enorme aerólito vindo de outras esferas alterar a face da terra.

Depois de uma ligeira paragem com os Poetas da Praça, (ao lado de Geraldo Maia, Antônio Short, Ricardo Emanuel, Agenor Campos, Pedro Cezar e outros) vozes transgressoras da poesia baiana dessa época, duma forma ou de outra, influenciariam outros poetas integrantes do círculo oficial. Elizeu Moreira teve uma longa passagem pelo CEPA (Círculo de Estudos Pensamento e Ação), dirigido pelo filósofo Germano Machado, onde ganhou asas e voou para fora, migrando para outros espaços.

Não me lembro exatamente da primeira vez que o vi, mas posso assegurar que esse encontro se deu no início dos anos oitenta, quando recém chegado do recôncavo Baiano, do município de Castro Alves, fez parte da agremiação literária CEPA, onde foi Relações Pública e editor da Revista CEPA Cultural, ao lado do poeta alagoano José Inácio Vieira de Melo. Sua inclusão nos círculos literários na Bahia, se deu timidamente; primeiro colaborando em “Letra Viva, página do Caderno Cultural do Diário Oficial do Estado, época em que estivemos juntos em vários eventos promovidos pelo CEPA.

Este ex-cepista teve uma participação marcante na divulgação da cultura baiana. Entre as suas produções estão alguns artigos que divulgou através das páginas da Revista CEPA, dois me chamaram à atenção na época: “Um Breve Ângulo da Poesia de Castro Alves” e “Um Verso e Universo da Poesia de Pound”, além das entrevistas “Uma Voz para Combater o Racismo”, com o sociólogo Manuel Almeida Cruz e “Uma Visão dos Anos 50 em Torno do CEPA”, com o poeta Carlos Anísio Melhor.

Os tempos tinham mudado. A sua ressurreição fez o poeta aparecer sob novas vestes, tangenciando os males, persistindo na temática do mundo, com seus componentes rítmicos e métricos, bem como às dificuldades e as soluções encontradas em cada verso. A obra de Elizeu Moreira conseguiu produzir uma expressão poética capaz de profunda ressonância. É bem verdade que o processo de montagem e desmontagem do poema favorece a revelação. É com essa disposição que o poeta castroalvense enfrenta a realidade para sentir verdadeiramente o caos que está reservado e pronto a se revelarem.

Por isso o poema aflora do subconsciente e o poeta Elizeu Moreira Paranaguá trabalha cada verso como artefato lógico, que se procura montar sem interferência de elementos fortuitos ou casuais. Assim nasceram alguns dos seus mais conhecidos poemas como “Poema Terra Castro Alves”. Sobre esse poema, vale dizer, em relação a um momento histórico do passado, o período da infância, dos mitos, das alegrias, das brincadeiras, dos lugares visitados. Por outro lado, a sobreposição dos tempos implica a sobreposição de imagens, colocando o problema sob duas perspectivas diferentes: a do adulto em face da infância interiorana, a do homem urbano em face do desconhecido.

Na geografia da vida
- o ser
é aquele,
que em sua circunstância,
de
realidade
é o que é por si próprio.

E mais adiante:

O tempo se estende
no poema da existência.
O amor se desdobra
como as pontas do sol
- para dentro de minha alma.

A poesia de Elizeu Paranaguá sempre abre as portas de uma viagem cheia de surpresas, trazendo soluções tão felizes, por mais cavadas e sutis que pareçam. O poeta parece deixar o poema como que flutuar por algum tempo dentro do seu espírito à espera de certos pontos de fixação. Foi o poeta Antonio Carlos de Oliveira Barreto, autor do livro “Uns Versus Outros” (1995), que me chamou a atenção para sua recente produção, me confidenciando seu amadurecimento humanista na forma de pensar sobre o mundo, de ver as coisas como elas realmente são. Isso prova o seu crescimento, suas novas investidas, seu atrevimento saído daquele sonho perturbador e impossível.

Encontro agora, na apresentação que Maria da Conceição Paranhos escreveu para “Sete Cantares de Amigo”, organizado por Miguel Antônio Carneiro, seleção e notas de José Inácio Vieira de Melo, Edições Arpoador (2003), algumas observações muito pertinentes sobre Elizeu Moreira Paranaguá. Observa Paranhos que “Para Elizeu, o mundo se mostra como enigma a ser decifrado, mas apenas a poesia é capaz de o fazer, como se lê em Correndo Atrás da Imagem – em que a imagem várias vezes repetida nos seus poemas, a do rio, constitui uma ameaça de dissolução, já que equivale ao tempo (V. também o Poema do Rio), e o poeta enfrenta o risco e nele imerge sob a forma do anjo de luz, correlato objetivo para a poesia, e , por extensão, para o poeta.”

O rio habita a geografia
da minha orla
e o anjo de luz
mergulha nele.

Angustiado pela pressão dos modelos de gerações anteriores, força que regiam a atividade da vida literária na Bahia, e insuficiente para dar conta das novas necessidades, Elizeu Paranaguá rompe o círculo de ferro que emperrava as modificações de alteração da ordem vigente; Para produzir uma poesia que refletisse dois momentos diversos, articulando as noções de distância e desaparecimento – de vida e morte, que significa seu próprio caos.


Pedra do Caos, livro inédito, que reúne uma parte significante da sua obra, a ser publicado pela Fundação Cultural do Estado, através da coleção editorial Selo Bahia é um livro carregado de emoções, resultado de uma conquista notável, que irradia a própria vida do poeta. Ou como disse o poeta Ezra Pound, a poesia é a forma carregada de significado ao último grau.

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Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Cecília Meireles