JORNALISTA CAZZO AO CORDELISTA ANTONIO BARRETO.
Quem é Antonio Barreto?
Nem precisa perguntar !
Baiano lá do sertão
Santa Bárbara é o meu lugar
Sou substantivo próprio
Masculino, singular.
Quer saber da minha origem
Agora vou lhe dizer:
Vim do bico da cegonha
E nasci para aprender
Sou do signo de câncer
Sou sensível pra valer.
Sou o aboio dos vaqueiros
Pelos ventos da alegria
Nessa estrada empoeirada
Seja noite ou luz do dia
Sou o berro das manadas
O Cordel e a cantoria.
Quando o cordel tocou a veia de Antonio Barreto?
O cordel entrou em mim
E ferrou meu coração
Quando ainda era menino
Nas caatingas do sertão
Ouvindo o berro do gado
E atravessando a nado
As águas da solidão;
Reisado, bumba-meu-boi
Vaquejada, cantoria
Pau-de-sebo, quebra-pote
Forró e muita folia:
Foi assim o meu cenário
Nas corres do imaginário
Que eu jamais esqueceria.
Hoje vivo na cidade
Feito anjo que vagueia
Bebo as gotas do abismo
Mas corre na minha veia
Além de favos de mel
A doçura do Cordel
Que me encanta e me incendeia.
A Literatura de Cordel tem técnica ou faz-se verso de cordel
livremente?
Na Europa, o Cordel
Era sempre feito em prosa;
No Brasil, é feito em verso
Essa arte grandiosa.
Ritmado a rigor
De uma forma harmoniosa.
Temos que atentar à rima
De preferência soante
Pra tornar-se obra-prima
Pois a boa melodia
Nos encanta, nos anima...
Na poesia canônica
Faz-se verso livremente
Entretanto no Cordel
A regra é bem diferente
Rima e ritmo se completam
Mais-que-adequadamente
A discussão antiga: o Cordel é atemporal?
O cordel flui pelas águas
Do rio da simplicidade
Sua nascente vem do campo
Ao abraço com a cidade
Galopando por caminhos
De lonjuras e espinhos
Clamando por liberdade.
O cordel ao mesmo tempo
É vovô e é menino
É passado e é presente
Um mistério cristalino
O futuro rindo à toa
A nuvem que sempre voa
Sem parada e sem destino.
Ele não possui idade
É tão velho quanto o mundo
É tão jovem quanto o sol
Que renasce num segundo
Ou quem sabe vem da Grécia
Com magia e peripécia
No seu versejar profundo.
Guimarães Rosa é universal; James Joyce é universal. A poesia de
cordel é Universal?
Guimarães e James Joyce
Sempre foram universais
Mas também há outro vate
Que possui muito cartaz:
Me refiro a Patativa
Poeta de voz altiva
Que em Sorbone é um ás.
E o Cordel não corre atrás
De estrelismo e troféus
Nossa arte popular
A transitar pelos céus
Sem inveja do arco-íris
Do trono Zeus ou Íris
Longe do banco dos réus.
Temos a convicção
Que a Cultura Popular
É amada e muito aceita
No Brasil e além-mar:
Nas pesquisas de Cantel
Luyten, Kurran: o cordel
Pôde universalizar.
Tem função social a Literatura de Cordel?
Haja função social
Nos folhetos de cordel
Uma vez que o cordelista
Desempenha o seu papel
De denunciar o sistema
Alertando o estratagema
Dos políticos de cartel.
Além disso os cordelistas
Desta nova geração
Têm se preocupado muito
Com os rumos da Educação
Levando o cordel à Escola
Dando um grande show de bola
Promovendo a inclusão.
Nós também denunciamos
A injustiça, a violência,
Desigualdade, racismo,
A ganância, a prepotência...
Somos antenas da raça
E mostrarmos a desgraça
Que todos pedem clemência.
Paulo Coelho tem cadeira na Academia Brasileira de Letras. O
cordelista tem onde sentar na Academia?
Admiro o Paulo Coelho
Mas preciso contestar:
Penso que ele precisa
Sua cadeira ofertar
A Leandro ou Silvino
Patativa ou Minelvino
E depois se aposentar!
Cadeira em Academia
O cordelista não tem.
Pois ali é um ambiente
Que ao Cordel não lhe convém
Nosso lema é a grandeza,
Simplicidade e beleza
Sem jamais dizer amém!
Deixemos que a Academia
Siga a sua tradição
Usando o mesmo critério
Político de exclusão.
Mas quem sabe um belo dia
Para a nossa alegria
Ela dê voz ao sertão!
Há relação entre a Literatura de Cordel e a música?
Claro que há relação
Perceba que o menestrel
Toca em ritmo de baião,
Na rabeca, violão,
Na sanfona, na viola;
No pandeiro a gente embola
O verso metrificado.
E se for de pé quebrado:
O casamento não rola !
Há quem diga que o livro estará em extinção no futuro. E o folheto do
cordel sobreviverá?
Eu sei que o livro sobreviverá
Ainda que o progresso se agigante
É mais fácil extinguir um elefante,
Político, raposa, tamanduá,
Caráter, vergonha, onça, gambá
O dinheiro, a justiça, a lealdade,
A ética, a fé, a dignidade...
Mas o Cordel que é fonte de cultura
Afirmo que ele sempre perdura
Nos dias de hoje e na eternidade!
Barreto, você respondeu em
sextilha, septilha, décima, martelo... E o galope à beira-mar onde é que fica?
Eu sou sertanejo, estrela que brilha
Ninguém me humilha porque sou valente.
Eu brigo de faca, de murro, de dente...
Sou mais que a serpente, dragão armadilha
Também sou de paz e desejo partilha
Fogueira queimando sem nunca apagar
Estou sempre rindo, mas posso chorar...
Detesto avareza, ciúme, mentira,
Eu bato de frente no medo, na ira
E aprendo os segredos das águas do mar.
Barreto, faça uma brincadeira a la Zé Limeira – o Poeta do Absurdo!
Eu brinco de Zé Limeira
No espetáculo da loucura
Meu sorvete é rapadura
Os meus olhos são fogueira
Freud inventou a peixeira
Lampião a anestesia
Jesus Cristo se escondia
No quintal de Zé Raimundo
Me separo desse mundo
Mas não deixo a poesia.
Agora, Barreto, suas considerações finais em Quadra, afinal ela é o
gênero que, através dos colonizadores ibéricos, introduziu o cordel no nordeste
brasileiro!
Obrigado, amigo CAZZO
Pela bela entrevista
Que fizeste no momento
Com esse simples cordelista.
Eu espero que o leitor
Aprecie nosso trabalho
E perceba que o Cordel
Necessita de agasalho,
Apoio, divulgação
Nesse novo limiar
Porque ele é o ouro
Da Cultura Popular !
Aqui, todo meu apreço
Bordado de gratidão
Do Barreto, aprendiz,
Que veio lá do sertão...
Fim
Salvador, Junho de 2008.
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