quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Edelvito Nascimento entrevista Helena Ortiz




Para ela, “se existe um compromisso, é só com a poesia”. E é de mãos dadas com essa arte que Helena Ortiz vem seguindo há um bom tempo, seja nos eventos de poesia, na sua própria escrita ou no trabalho com a editora. Neste mês de agosto, a Bahia a recebe em três eventos de literatura: Uma Prosa Sobre Versos (no dia 13, em Maracás), Travessia das Palavras (no dia 14, em Jequié) e Com a Palavra o Escritor (Salvador, no dia 18). Em entrevista a Edelvito Nascimento, a poeta fala sobre a rota de amadurecimento de sua escrita, os textos inéditos e o sua opinião sobre o futuro da poesia.


Edelvito Nascimento – Igor Fagundes compara a sua poesia à arte fotográfica; e a sua prosa, ao cinema. Assim também você concebe sua escrita? Ou qual é a fronteira entre a poeta e a contista?

Helena Ortiz – Não seria eu a discordar do poeta-crítico que é Igor Fagundes, que tem me dedicado estudo e amizade e a quem muito sou grata. O verbo conceber, no entanto, tem muitos significados. Eu diria que a minha poesia resulta em fotografias porque registra o momento em que se dá o acontecimento e, naturalmente, como uma fotografia de arte, expressa pensamento e sentir. Ressalto, no entanto, que não é um objetivo pré-formulado. Por isso uso o termo resultar para dizer que não é intencional. Apenas é a minha maneira de ler a realidade e traduzir o que sinto.

EN – O drama humano está muito presente em Pedaço de Mim. Tanto que o título já anuncia a perda, a despedida, a ausência de algo fundamental à existência. Por outro lado, em livros subsequentes, como Em par e Sol sobre o Dilúvio, esse tema torna-se menos recorrente, embora não inexistente. O que acontece nesse meio tempo? A escrita amadurece para uma impessoalidade? A dor diminui? A dor se metamorfoseia?

HO – Não sei se você já viveu uma grande perda e nem sei se a perda de um filho é, como dizem, a maior de todas. Mas como acontece com todos, aprendemos a criar defesas, buscamos lenitivos e suportes, e de fato, como você diz, a escrita amadurece. Deixamos de nos ater à nossa própria angústia para sermos porta-vozes das angústias do mundo. Eu diria que depois de uma grande dor, as outras todas se tornam suportáveis. E o tempo, esse milagre, faz com que não latejem muito as nossas feridas. Vai transformando em lembranças os sofrimentos que nos fizeram sangrar. Vamos transformando essas lembranças em sonhos. E os sonhos em poesia. Veja que o próprio título indica que todo o dia há que se lutar como sobrevivente de uma catástrofe, que é o que podemos chamar um dilúvio.
Já lá se vão 20 anos desde que Alice morreu. Muitas pessoas com quem convivo hoje nem sabem que ela um dia existiu. Durou tão pouco. Nem completou quatro anos. No entanto vive comigo, transformou-se em mim, resistência e combate. Por isso respondo sim à sua pergunta. A dor diminui porque se transforma. Há três poemas escritos a partir da memória dela no em par e quatro no sol sobre o dilúvio. Depois de 15 anos.

EN – Seguindo essa rota de amadurecimento, você tem agora, para sair, o livro Poemas Possíveis. Como foi a construção desse novo trabalho? E o que você espera dele?

HO – Bom, o título Poemas possíveis já não é mais possível. Ocorre que com a morte recente de José Saramago soube que ele também já escreveu um livro com esse nome. Vai daí, achei melhor buscar outros.
Estou tentando fazer um pequeno livro, uma plaquete, na verdade, para não ir sem um trabalho novo à Bahia, em relação à poesia, porque o livro de contos é recente. E optei por chamá-lo apenas de POEMAS. São apenas 19 poemas dos quais eu gosto mais dentre a produção a partir de 2005, quando saiu sol sobre o dilúvio. E optei por apresentá-los também em espanhol porque acho que estamos muito isolados da cultura latino-americana. Precisamos chegar mais perto de los hermanos.
O que eu espero dele? Espero vê-lo pronto, apenas. E que seja lido. E se porventura despertar em alguém o interesse pela poesia, ou uma emoção, já está bem. Se existe um compromisso, é só com a poesia. É de mãos dadas com ela que eu ando.

EN – O jornal Panorama da Palavra faz parte de um movimento de resistência no meio literário. Qual é o futuro da poesia nesse mundo cada vez mais técnico e sombrio? Editar o jornal dá esperança?

HO – Sim, editar poesia é resistir. Você vê que as pessoas procuram cada vez mais o que é superficial, fácil e instantâneo, enquanto a poesia é profunda, difícil e permanente. É nadar contra a corrente. No entanto, também temos leitores, na proporção possível.

Justamente porque o mundo se torna desinteressante e sombrio é que algumas pessoas, quando encontram a poesia, parece que encontram a si mesmas. Interessam-se, passam a ler e a escrever. Repare que há mais tempo eram raros os jovens que se animavam a publicar. Hoje publicam quem sabe cedo demais, mas perderam a timidez. Querem pertencer ao mundo dos poetas, querem ler e aprender. Vejo muito futuro para a poesia. E acho que as coisas são cíclicas. Depois do fosso de burrice e mediocridade em que estamos metidos, graças à falência dos meios de educação, isto é, políticas públicas e televisão, talvez possamos nos recuperar e caminhar na direção da luz e do conhecimento.

4 comentários:

Glaristoni disse...

Gostei da Entrevista VNS... e o talendo da Helena Ortiz ficou perceptível com a leitura dos poemas...

Moda vc escolhe disse...

Para todos que virem esse comentário podem um pouco saber co eu gosto dos poemas de Helena Ortiz eles falam sobre coisas sentimentais sobre amores que ja e podem ainda existe nela,bom essa foi minha opinião mande a sua.

Pablo Sá disse...

Bela entrevista Vitor, a Helena Ortiz é realmene incrível, gosto dos poemas dela. Abraços.

Marcelo Nascimento disse...

Entrevista perfeita, parabéns Viotr você tocou em pontos escenciais da arte de Helena Ortiz.
Mulher de muita força e artista de sensibilidade inquestionavel.

Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Cecília Meireles