quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A poesia de Astrid Cabral

ASTRID CABRAL FÉLIX DE SOUSA nasceu a 25/09/36 em Manaus, AM, onde fez os primeiros estudos e integrou o movimento renovador Clube da Madrugada. Adolescente ainda transferiu-se para o Rio de Janeiro, diplomando-se em Letras Neolatinas na atual UFRJ, e mais tarde como professora de inglês pelo IBEU. Lecionou língua e literatura no ensino médio e na Universidade de Brasília, onde integrou a primeira turma de docentes saindo em 1965 em conseqüência do golpe militar. Em 1968 ingressou por concurso no Itamaraty, tendo servido como Oficial de Chancelaria em Brasília, Beirute, Rio e Chicago. Com a anistia, em 1988 foi reintegrada à UnB. Ao longo de sua vida profissional desempenhou os mais variados trabalhos, fora e dentro da área cultural. Detentora de importantes prêmios, participa de numerosas antologias no Brasil e no exterior. Colabora com assiduidade em jornais e revistas especializadas. Viúva do poeta Afonso Félix de Sousa, é mãe de cinco filhos.

Obra poética:

Ponto de cruz. Cátedra, Rio de Janeiro, 1979.
Torna-viagem. Pirata, Recife, 1981.
Lição de Alice. Philobiblion, Rio de Janeiro, 1986.
Visgo da terra. Edição Puxirum, Manaus, 1986.
Rês desgarrada. Thesaurus, Brasília, 1994.
De déu em déu. Sette Letras/Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1998.
Intramuros. Secretaria de Cultura do Paraná, Curitiba, 1998

Rasos d’água. Secretaria de Cultura do Amazonas/Valer, Manaus, 2003.


Herança

Bênçãos e maldições vem de, bem longe
embaladas em ovos, sangue e esperma
em arquivos que jazem sob a terra
lacrados chaves já perdidas no ontem.
Os vivos farejamos crus mistérios

e giramos perguntas parafusos
que mal roçam a cútis dos arcanos:
o olhar terá nascido no jurássico?
o tom de tez e voz será adâmico?
de quem decorre esta imprevista
herança
de sermos o que, bem ou mal nós
somos?
Família, amor, jogo de sexo e espelhos
por onde assim perplexos nos lançamos
ou, dizendo melhor, lançados fomos.

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Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Cecília Meireles